“Não entendo como não começo um relacionamento, como não
me apaixono novamente, como não mudo de vida.
Reclamo da ausência de opções, embora eu seja bonita,
inteligente, divertida.
Minha hipótese é que não abandonei o passado.
Mantenho flertes com um ex indiferente, ou fico saindo
com sujeitos que jamais assumiram um romance.
A verdade é que todos pressentem quando uma mulher está
enrolada, todos intuem um caso mal resolvido, e não se aproximam.
Não virá ninguém espantar os corvos e dissolver essa
camada pesada.
É trabalho em vão soterrar o precipício. Mulher desinteressada
é impossível.
Ninguém ousará quebrar o monopólio da minha dor.
Meu cheiro é de encrenca, cheiro fidelidade a um
terceiro. Meus ouvidos estão lentos, minha boca paira em distante lugar, meus
olhos se distraem seguidamente.
Não tenho brilho na pele, porém tensão nos ombros.
Minha respiração é um poço de suspiros.
Vivo ansiosa por noticias, por reatos, mensagens. Não presto
atenção, não me entrego para a casualidade.
Não dá pra começar um novo amor sem abandonar os
anteriores. Errada a regra que a gente só esquece um amor antigo por um novo.
Estou com o corpo fechado, costurado, mentindo que já não
sofro com as cicatrizes.
Mendigo retornos.
Minha nudez não responde ao pedido da curva. Nem balanço
com a música favorita.
Estou tomada do carma, do veneno, do ressentimento.
Penso que estou bem, mas estou de luto. Uma mulher de
luto não permite-se arrebatamentos, afasta-se da primeira gentileza que recebe,
recusa a prosperidade das pálpebras piscando nos bares e restaurantes.
Nunca vou encontrar o namoro, o casamento, a paz, se não termino
de me arrepender.
É preciso guardar o máximo de ar, ir ao fundo, descer na
tristeza e nadar para longe dela.
Não amarei outro alguém sem solucionar pendências, sem recusar
o homem que não me mercê, o homem que não vai embora e tampouco fica.
Não amarei outro alguém sem abandonar algumas horas de
alívio em motéis.
Não amarei outro alguém se não bloqueio as recaídas, se insisto
em ressuscitar promessas.
Nunca serei inteira se me mantenho refém de romances
quebrados.
Nunca estarei presente. Nunca estarei aqui.”
Texto adaptado de:
Jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 28/4/2013 Edição Nº17416
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